terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Partindo de duas conferências de Maria Filomena Molder sobre Wittgenstein e Goethe. Algumas notas em esboço e em estudo.





"Acerca do que não se sabe é melhor calar-se."
Wittgenstein, Tractatus


Deixo aqui alguns tópicos que me despertaram interesse em duas conferências vídeo de Maria Filomena Molder (MFM) sobre Wittgenstein e Goethe.
A primeira comunicação é sobre Wittgenstein e Goethe, e a segunda sobre Wittgenstein. Focarei estas notas na abordagem de MFM a Wittgenstein.

Diga-se previamente que não sou entendido em Wittgenstein; nem pouco mais ou menos. Embora o meu trabalho de fim de licenciatura tenha sido sobre este pensador no Seminário com Luísa Couto Soares na UNL.

Tópicos:
O conceito de Urphänomen (fenómeno originário) atravessa a análise na primeira conferência.
"Os conceitos estão no meio da vida." (Wittgenstein)
"A linguagem não surgiu de uma espécie de raciocínio" Wittgenstein, Da Certeza
"A partir de um certo ponto não se pode recuar. Esse ponto em Goethe chama-se Natureza e em Wittgenstein jogos de linguagem."
"A Natureza é aquele ponto atrás do qual não podemos recuar."
"Aquele que nasce, nasce no nascimento. Mas não é nascimento. Ele nasce. Deixa-se intacta a vida, o nascimento, a natureza."
"Giorgio Colli traduz phusis por nascimento e escreve o célebre fragmento de Heraclito: "o nascimento gosta de esconder-se."
"Podemos saber o que é o nascimento, por exemplo, ao nível da genética. O que sabemos deixa intacto o que é o nascimento."

Não me demorando muito na consulta, pego um pouco ao acaso num trecho de Benjamin, autor muito estudado por MFM, "Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem humana" (trad. MFM). Este texto encontra-se noutra tradução em Sobre arte, técnica, linguagem e política (Rel.D'Água):
"Mas porque a essência espiritual do ser humano é a própria linguagem, ele não pode, por essa razão, comunicar mediante ela, mas unicamente em ela. O nome é a súmula desta totalidade intensiva da linguagem, enquanto totalidade da essência espiritual do ser humano. O ser humano é aquele que nomeia, e nisso reconhecemos nós que a língua pura fala por ele. Toda a natureza, na medida em que se comunica, comunica-se em a linguagem, portanto, em última análise, no ser humano. Por isso ele é o senhor da natureza e pode nomear as coisas."
A propósito do "nomear", Benjamin fala mais adiante da Bíblia, no Génesis.

"ele não pode, por essa razão, comunicar mediante ela, mas unicamente em ela". Talvez por isso MFM diga na primeira conferência que há que distinguir  "aquilo que está no meio da coisa, e o meio no qual a coisa está". Complexo e difícil parece-me.

Algumas notas:

"A partir de um certo ponto não se pode recuar. Esse ponto em Goethe chama-se Natureza e em Wittgenstein jogos de linguagem."

Mas foquemos aqui em Wittgenstein

Mas o movimento visando recuo - quando já não se pode recuar - não comporta por ele mesmo um avanço? Aqui entramos nas questões do corpo e da linguagem.

Parece por outro lado que a linguagem começa a surgir na repetição de sons, ou de um mesmo som, tal como ouvimos nos primatas, por exemplo nos chimpanzés.

Uma das teses de MFM sustentadas na conferência creio ser a de que não poderemos - é impossível - conhecer-saber o processo de nascimento da linguagem. 

Numa outra ocasião, MFM lembra que Leonel Ribeiro dos Santos publicou recentemente um livro onde uma das teses é a de que atrás das imagens também não se pode recuar. E MFM acrescenta que o próprio Wittgenstein muito provavelmente estaria de acordo com essa tese.

Um dos problemas parece-me ser o de pretender-se estar atrás, antes da imagens, mas, estando depois para se poder falar disso. É aí que me parece aceitável falar do ponto atrás do qual não se pode recuar. E creio tratar-se de um ponto cronológico (ou crónico?).

O ponto atrás do qual não se pode recuar são os jogos de linguagem como faz questão de notar MFM em Wittgenstein. MFM diz também não se poder recuar a partir de um ponto: o do "aprender a falar". E é este que lhe parece mais a ter em conta.

Noutras vertentes de pensamento há quem sustente a importância da chamada e tematizada "dupla articulação da linguagem". Escrevi "tematizada", e aí suponho haver uma dificuldade, pois a tematização implica um 'depois' ('tema' deriva do grego: 'colocar', 'pôr').

É possível no entanto que para se chegar à compreensão desta dupla articulação se haja suposto a sua génese, o processo de aparecimento dessa estrutura, a partir de formas rituais de linguajar (ou linguajares, no sentido de dar à língua emitindo sons). Por outras palavras, de repetições de sons e de vociferações já esboçadas nos primatas, e prosseguidas, complexificando-se em certas linhas de evolução hominídea. Aliás, o riso e o choro talvez tenham uma palavra a dar acerca destas questões.

Mas como recuar, como voltar atrás desse ponto que é a linguagem, ou melhor, o "aprender a falar " - conforme regista MFM, e mesmo da dupla articulação da linguagem? Como recuar se, para abordarmos esse aquém já estaremos a falar dele, portanto depois, ou à frente? Neste sentido são pertinentes as observações de MFM. Do seu ponto de vista, partilhando o de Wittgenstein, há um ponto a partir do qual não se pode recuar: os jogos de liguagem.

E como poder recuar àqueles linguajares rituais, ainda que os possamos exercitar e ensaiar nas suas potencialidades, compreendendo neles, por um lado, ao mesmo tempo, o processo de génese da dupla articulação e, por outro, o 'antes do aprender a falar'? 

Este é um dos argumentos possíveis sustentando a tese da impossibilidade de recuar a partir de um certo ponto: o do "aprender a falar".  

Podemos saber que aprendemos a falar. Mas isso não implica que recuemos ao antes do aprender a falar.

Como poderemos dizer que aqueles sons desarticulados-articulados dos linguajares rituais são fonemas ou o caldo da génese de fonemas? Parece-me muito difícil.

A não ser que, sem darmos por isso, já estejamos a supor que assim seja. Sendo assim, pretende-se de certa maneira antecipar-se a esses sons para poder falar deles depois, como germes de fonemas, como processo de formação de fonemas. Mas estamos a falar deles; e nessa condição é como estar a falar, supondo isso - precisamente o falar - de fonemas. É o mesmo que estar a falar deles, desses sons, como se fossem o que não são: fonemas. O que é o mesmo que dizer que o que é, não é, e que o que não é, é. 

Não se trata somente de contradição. Nem de dupla contradição. Tão pouco de mera reciprocidade ou reversão simétricas. Se assim fosse seria demasiado fácil.

Claro que a dupla articulação da linguagem estrutura-se não só em fonemas. Estes são jogos de diferenças significantes nas suas repetições estruturando as palavras em jogo com as frases e os textos na temporalidade segundo uma linhagem que vem de Saussure, Martinet, passando por várias reflexões, como por exemplo Derrida, e entre nós, Fernando Belo, p.ex.

Mas pego por agora nos fonemas, apesar trazerem dificuldades, tais como só por si não "significarem nada, nem serem imagem de nada", como defende F. Belo. 

Todavia, estamos a tentar abordar o em "vias de", o em curso da génese dos fonemas. Mas não se deixa de tentar surpreender o que, precisamente, como devir, se esgueira, se desloca enquanto tal.  Querer dar conta da génese, do devir, da mediação, é querer ainda antecipar-se e fixar-se num ponto antes desse devir, dessa génese. 

É por isso que tem cabimento  a citação que fizémos acima de Walter Benjamin, principalmente o passo: "ele [o ser humano] não pode, por essa razão, comunicar mediante ela [a linguagem], mas unicamente em ela."

De passagem, talvez seja viável o conceito de Deleuze: devires.
É absurdo saltar aqui para Deleuze? Há certos saltos que são bons na filosofia.

Saltos? Poder antecipar-se ao que se antecipa (poder estar antes do antes)? Para poder estar mais além do que está além (poder estar depois do depois - postcipar-se)? 

O 'atrás' e o 'à frente'?

Espaço e Tempo? 

Não é essa uma das aspirações da imortalidade?

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Este texto carece de alguns acabamentos finais.
Este texto prosseguirá.

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"A filosofia não pode de modo algum interferir com o uso efectivo da linguagem. Em última análise, a única coisa que faz é descrevê-la" (Wittgenstein, Investigações Filosóficas (I.F.))

"Quando os filósofos usam uma palavra - «saber», «ser», «objecto», «eu», «proposição», «nome» - e procuram captar a essência da coisa, devemo-nos perguntar: na linguagem onde vive, esta palavra é de facto sempre assim usada?

Nós reconduzimos as palavras do seu emprego metafísico ao seu emprego quotidiano." (I.F., secção 116) 

"Os nossos simples e claros jogos de linguagem não são estudos preliminares para uma regulamentação futura da linguagem - como se fossem uma primeira aproximação, sem ter em conta o atrito e a resistência do ar. Os jogos de linguagem são muito mais objectos de comparação, que por semelhança e dissemelhança irão esclarecer os factos da nossa linguagem." (I.F., secção 130)

"Só podemos escapar à injustiça ou ao vazio das nossas asserções se apresentarmos o modelo como aquilo que é, como objecto de comparação - como, por assim dizer, um padrão de medida, e não como um preconceito ao qual a realidade tem que corresponder. (O dogmatismo em que se cai tão facilmente em Filosofia." (I.F., secção 131)

Citações recolhidas de: 
Wittgenstein,L.,Tratado Lógico-Filosófico * Investigações Filosóficas, trad.M.S.Lourenço, Gulbenkian, 1987. 
Cordon, J.M.N. e Martinez, T.C., História da Filosofia, os filósofos * os textos, 3 vol.,trad. Armindo Rodrigues, Ed.70.

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