sábado, 18 de fevereiro de 2017

Safo (Sappho) - DANÇA

Mais uns verdejamentos

Safo (Sappho)

DANÇA

Com brandos pés
eis dançavam, certa vez,
raparigas de Creta.
Lentas rodavam ao redor da ara
e pela erva, delicadas,
mal pisavam flores campestres.


*

Com brandos, brandos pés
dançavam assim
raparigas de Creta
certa, certa vez…

Ao redor da ara
macias pela erva
mal, mal pisavam
as flores campestres.

Assim dançavam
certa, certa vez,
raparigas de Creta
com brandos, brandos pés…


Safo, Líricas em fragmentos, trad. e apres. Pedro Alvim, desenhos Alves da Costa, Lisboa, Vega, Edição bilingue, 1991, p. 95.

Uma ilustração de Alves da Costa


Tudo transcritozinho do papel com calminha… 






quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Manoel Tavares Rodrigues-Leal - …esse ofício. fulcral. o de escrever”… [...] “e literadura”…

Manoel Tavares Rodrigues-Leal

…esse ofício. fulcral. o de escrever”… [...] “e literadura”…

I

esse ofício. fulcral.
o de escrever. ainda aflora. como que
uma frustre maré interior. a
da loucura. ígnea ou
ilimite. sob as pálpebras.
o olhar usado ousa.
o inexorável rigor. e tenso.
depois a remota eternidade de um corpo.
ou de uma tarde nua. abomináveis aves. as de
um verão imperfeito. o mundo.
se o for.
mais não é do que frívola eternidade.
a de um instante. ou a
de um contorno leve. o da nudez.
esse ofício é eterno.
(sê-lo-á porém). leitura e ócio
talvez. e literadura.


lxª 18.07.2003

Manoel Ferreyra da Motta Cardôzo (pseudónimo de Manoel Tavares Rodrigues-Leal), A Duração da Eternidade, Lisboa, Edição de autor (composição e impressão de João Alves), 2007.

…poema I, com uma alteração no segundo verso (acrescento: “ainda aflora” ), por indicação do autor…







Cecília Meireles - AR LIVRE

Cecília Meireles

AR LIVRE

A menina translúcida passa.
Vê-se a luz do sol dentro dos seus dedos.
Brilha em sua narina o coral do dia.

Leva o arco-íris em cada fio de cabelo.
Em sua pele, madrepérolas hesitantes
pintam leves alvoradas de neblina.

Evaporam-se-lhe os vestidos, na paisagem.
É apenas o vento que vai levando seu corpo pelas alamedas.
A cada passo, uma flor, a cada movimento, um pássaro.

E quando pára na ponte, as águas todas vão correndo,
Em verdes lágrimas para dentro dos seus olhos.

De “Retrato Natural” in Cecília Meireles, Antologia Poética, Lisboa, Rel. D’Água, 2002, p. 101.
Transcrito do livro…

Livro aberto ao calhas…






Sophia de Mello Breyner Andresen - MULHERES À BEIRA-MAR

Sophia de Mello Breyner Andresen

MULHERES À BEIRA-MAR

Confundindo os seus cabelos com os cabelos do vento,
têm o corpo feliz de ser tão seu e tão denso em plena
liberdade.

Lançam os braços pela praia fora e a brancura dos seus
pulsos penetra nas espumas.

Passam aves de asas agudas e a curva dos seus olhos
prolonga o interminável rasto no céu branco.

Com a boca colada ao horizonte aspiram longamente
a virgindade dum mundo que nasceu.

O extremo dos seus dedos toca o ponto de espanto e de
vertigem onde o ar acaba e começa.

E aos seus ombros cola-se uma alga, feliz de ser tão verde.




Sophia de Mello Breyner Andresen, Antologia, pref. Eduardo Lourenço, (composto e impresso Ramos dos Santos & Ca., Lda. / Porto, Lisboa, Ed. Figueirinhas, 1984, p. 84, etc. e tal…

Do livro “Coral” (1950)

Foto de Sophia em Vila Praia da Âncora

transcrito do livro…devagarinho…




terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Cecília Meireles - um outro poema: Leveza.

Leveza

Leve é o pássaro:
e a sua sombra voante,
mais leve.

E a cascata aérea
de sua garganta,
mais leve.

E o que lembra, ouvindo-se
deslizar seu canto,
mais leve.

E o desejo rápido
desse antigo instante,
mais leve.

E a fuga invisível
do amargo passante
mais leve.

Cecília Meireles, Antologia Poética, Lisboa, Rel. D’Água, 2002, p. 72.







Sophia de Mello Breyner Andresen - um poema: VI (Antinoos de Delphos)

Sophia de Mello Breyner Andresen

VI (Antinoos de Delphos)

Tua face taurina tua testa baixa
Teus cabelos em anel que sacudias como crina
Teu torso inchado de ar como uma vela
Teu queixo redondo tua boca pesada
Tua pesada beleza
Teu meio-dia nocturno
Tua herança dos deuses que no Nilo afogaste
Tua unidade inteira com teu corpo
Num silêncio de sol obstinado
Agora são de pedra no museu de Delphos
Onde montanhas te rodeiam como incenso
Entre o austero Auriga e a arquitrave quebrada

Delphos, Maio de 1970

do capítulo 2 “Delphica”
na capa: retrato de Sophia, por Arpad Szenes

Sophia de Mello Breyner Andresen, Dual, Lisboa, Salamandra, 1986, p.24 (3ª edição)


transcrevendo-lendo do livro




Felipita Estrada de Collado - um poema: RAYITO de LUNA

Felipita Estrada de [ou del] Collado (ou ainda: Felipita Estrada Garcia) – Poeta cubana – de Pinar del Rio… poema de um livrito de, provavelmente, finais de 1940… “…y voló y voló y voló…”…


RAYITO de LUNA

Para Rafaelito Labrador y Collado

Canción de Cuna [berço]

DUERME, rayito de luna,
duerme, rayito de sol,
duerme Rafaelito, duerme,
duérmete mi corazón.

Las sombritas de la noche
entraron por tu ventana
y besándote los ojos,
se fueron esta mañana.

Duerme, rayito de luna,
duerme, rayito de sol,
duerme principito, duerme,
duérmete mi corazón.

Ha venido un pajarito
a cantarte su canción
y te ha visto dormidito,
y voló y voló y voló.

A los pies de tu camita
tranquilito se posó,
há bajado sus alitas
y su piquito cerró.

Duerme, rayito de luna,
duerme, rayito de sol,
duerme muñequito, duerme,
duérmete mi corazón.

Felipita Estrada de [ou del] Collado, “Sobre el césped de la Vida”, Imprenta Dardo de Málaga (Espanha), 1956, p. 48-49 (com um texto, à maneira de prólogo, de Rafael Marquina, de 1950)


Este é um outro livrito que comprámos ou achámos, sem capa, há uns anos num entulho (monte de livros abandonados em final de Feira da Ladra); e estava meio perdido aqui por casa… tem umas coisas giritas…
encontrámos na rede dois fugazes links da felipita…
não encontrámos fotos da felipita… colocámos uma imagem de Pinar del Rio (Cuba)
estas coisitas estiveram no FB; passaram agora para este blogue … dissipam-se mais no face…








 Rafael Marquina, autor do prólogo

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Cecília Meireles - um poema

Cecília Meireles

Cigarra de ouro, fogo que arde,
queimando, na imensa tarde,
meu nome, sussurrante flor.

(Estudei amor)

Cigarra de ouro, por que me chamas,
se, quando eu for,
bem sei que foges por entre as ramas?

(Estudei amor)

Cigarra de ouro, eu nem levanto
meus olhos para teu canto.

(Estudei amor)

Cecília Meireles, Antologia Poética, Lisboa, Rel. D’Água, 2002, p. 44.






Maria Amélia Neto - um outro poema



VENTO,  VENTO...

Vento, Vento, que podes tu fazer?
Apagou-se o fogo, a noite é escura,
A treva começa, nasce a erosão.
«Duhkha, duhkha, duhkha!»,
Dizem no atalho os lábios secos.
Vento, Vento, escuta o sussurro!
De manhã um mago sentou-se na pedra:
Os seus olhos brilharam, as folhas abriram,
O sol resplandeceu no manto de seda.
O presente é a noite, a manhã o passado,
Há grades nos olhos, nas mãos, nas palavras,
Mesmo a rocha sofreu a traição dos limos.
Vento, Vento, quem pode guiar-me?
A fogueira sumiu-se, o feiticeiro levantou-se,
A chama não falou, o segredo sorriu,

Vento, Vento, que podes tu fazer?

Maria Amélia Neto, Cicuta em Março, Lisboa, 1964, pgs. 46 e 47.